MINHA QUERIDA, SAUDAÇÕES

MINHA QUERIDA, SAUDAÇÕES

       “Vem, me faz um carinho, me toque mansinho / Me conta um segredo, me enche de beijo / Depois vai descansar, outra forma não há / Como eu te valorizo, eu te espero acordar”. Fragmento de um chamado amoroso contido em um marcador de livro, distribuído para o público do show “Cartas de Amor”, da cantora Tiê. Do delicado espetáculo, no qual algumas delas eram lidas pela artista e por gente da plateia, sou tocado para levá-las aos nossos encontros de “Música Popular Brasileira e Encontro de Gerações”. Nas minhas memórias fonográficas, lembro da canção “Mensagem” (Aldo Cabral, Cícero Nunes), gravada nas vozes de Neusa Maria, Isaurinha Garcia, Vanusa, Ná Ozzetti e Maria Bethânia.

       Em tempos pretéritos, escrevíamos cartas e estas eram seladas nas agências dos Correios e Telégrafos. A revolução internética, da sociedade em rede, impactou na maneira de nos comunicarmos pela via da escrita. Na era digital, o e-mail simboliza a entrada em um novo momento comunicacional. Os nossos cotidianos foram afetados em todas as dimensões das nossas existências. Os envelopes selados e os seus variados conteúdos fizeram parte das nossas histórias. Quem ainda vai postá-los na agência do Correio mais próxima? E os telegramas? Onde encontrar os colecionadores de selos? Cartas simples ou registradas, a depender do bolso do remetente. Memórias temporais da época em que os pombos correios transportavam cartões de Natal.

         No WhatsApp do nosso grupo, lancei as seguintes provocações: “Respeitando a intimidade e a privacidade de cada um (a), algum (a) de vocês teria uma carta guardada para ler no nosso encontro de amanhã? Carta de amor ou não, vamos conversar sobre as mensagens trocadas com alguém. Vi o show CARTAS DE AMOR, da cantora Tiê e nelas pensei”. “Alguém vai ler alguma carta guardada?” Uma das participantes compartilhou, pelo YouTube, “mais uma do fundo do baú”: em 1964, “A carta”, cantada por Waldick Soriano, “o elegante”, “eterno apaixonado”. E quem não sabia escrever? Esta pessoa ditava as suas mensagens para alguém escrevê-las ao seu destinatário. Uma cena cotidiana filmada por Walter Sales para o filme “Central do Brasil” (1998). No repertório musical da nossa “roda de conversa remota”, via Google Meet, foi exibida a leitura de Maria Bethânia para “Mensagem”. A poética intérprete convoca Álvaro de Campos para selar o “ridículo” ato de remeter uma carta amorosa. Ouçamos o recado do mensageiro:

Quando o carteiro chegou

E o meu nome gritou

Com uma carta na mão

Ante surpresa tão rude

Nem sei como pude chegar ao portão

Lendo o envelope bonito

O seu sobrescrito eu reconheci

A mesma caligrafia que me disse um dia

“Estou farto de ti”

Porém não tive coragem de abrir a mensagem

Porque, na incerteza, eu meditava

Dizia: “será de alegria ou será de tristeza?”

Quanta verdade tristonha

Ou mentira risonha uma cara nos traz

E assim pensando, rasguei sua carta e queimei

Para não sofrer mais.

Todas as cartas de amor são ridículas

Não seriam cartas de amor, se não fossem

Ridículas

Também escrevi, no meu tempo, cartas de amor

Como as outras, ridículas

As cartas de amor, se há amor, têm que ser

Ridículas

Quem me dera o tempo em que eu escrevia,

Sem dar por isso, cartas de amor ridículas

Afinal, só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor é que são ridículas.

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